A violação dos Direitos Humanos por atos de
corrupção
Revista
Estudios Avanzados 31,
julio 2019: 66-80. DOI 10.35588/idea.v0i31.4279 ISSN 0718-5014
A violação dos Direitos Humanos por atos de
corrupção
Violation of Human Rights by Acts of Corruption
Márcio Bonini*
Resumo
O presente
artigo tem por objetivo analisar a relação entre a corrupção e seu impacto e violação
aos Direitos Humanos. Para isso, será feito o seguinte itinerário: num primeiro
momento, contextualizar alguns debates acadêmicos sobre como a corrupção tem se
apresentado como fenômeno histórico, sociológico e no campo da ciência
politica, numa perspectiva multidisciplinar. Num segundo momento, será feita
uma breve abordagem na perspectiva da filosofia política de Hannah Arendt
acerca dos Direitos Humanos e seus contextos na história da humanidade, bem
como sua importância em face das atrocidades promovidas pelos regimes
totalitários no inicio do século xx.
No terceiro ponto o objeto de análise corresponde aos aspectos relativos à
possiblidades materiais de violação dos Direitos Humanos e o fenômeno da
corrupção, e em quê medida existiria o nexo de causalidade entre as práticas
corruptas e sua potencialidade em violar de forma direita ou indiretamente um
direito humano, ou ainda, de que modo os atos de corrupção podem conduzir a
tais violações.
Palavras chave: Direitos Humanos, corrupção, democracia,
dignidade humana.
Abstract
This article aims to analyze the relationship between corruption and its violation and impact of Human Rights. The following itinerary, in a first moment, contextualizes some academic debates about how corruption has presented itself as a historical, sociological phenomenon and in the field of political science, in a multidisciplinary perspective. Secondly, a brief approach will be taken in the perspective of Hannah Arendt’s political philosophy about Human Rights and their contexts in the history of humanity, as well as their importance in the face of the atrocities promoted by totalitarian regimes in the early twentieth century. Finally, the aspects related to the material possibilities of violation of Human Rights and the
phenomenon of corruption will be analyzed and to what extent would there be a causal link between corrupt practices and their potential to violate, in a right or indirect way, a right or how acts of corruption can lead to such violations.
Keywords: Human Rights, corruption, democracy, human dignity.
Introdução
A
corrupção vem apresentando, no âmbito das instituições públicas e privadas,
nacionais e internacionais, novas formas sofisticadas de retroalimentação,
inclusive nas redes sociais e na internet. Muito embora os sites tenham
políticas de privacidade, uma vez que constitui um importante instrumento de
comunicação para o exercício da livre manifestação de pensamento e expressão,
com as limitações impostas por previsão legal, não ficou imune a incidência
quanto a possível utilização para a prática de atos ilícitos, em especial, os
atos de corrupção.
Desde uma
perspectiva da Sociedade Internacional, o Banco Mundial, o Fundo Monetário
Internacional (fmi), a
Transparência Internacional (ti),
a Organização das Nações Unidas (onu),
a Organização dos Estados Americanos (oea)
e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico ou Econômico (ocde), passaram a desenvolver estudos
sobre a temática, procurando fornecer uma plataforma global para prevenir e
combater essa patologia social. Dentre várias temáticas destacam previsões
normativas importantes acerca do acesso à informação pública e a difusão de
informações no âmbito da administração pública, como instrumento de controle
social para fomentar a transparência.
Diante disso,
esse fenômeno vai além da questão monetária e dos aspectos jurídicos e legais
tradicionais (corrupção ativa e passiva, prevista no Código Penal e a
Improbidade Administrativa na Constituição Federal e na legislação
infraconstitucional). Entretanto, a corrupção seja correlatada com a questão
econômica, em razão dos interesses públicos e privados na esfera cambiante dos
pagamentos de suborno e de desvio de recursos (licitação, lavagem de dinheiro,
oferta de cargos, venda de licenças ambientais, privatizações), cabe analisar
cada implicação desse fenômeno em razão de suas variantes.
O desvio de
verbas tem implicações nas áreas de saúde para outros fins, a moradia (superfaturamento
das obras), área fiscal e tributária (sonegação de impostos, dividas com
previdência social), educação (recursos orçamentários para aquisição de
materiais escolares), aos direitos sociais; prejudicam o desenvolvimento social
e econômico de qualquer país, atingindo na sua completude os Direitos Humanos
(quando uma empresa suborna funcionários para despejar algum tóxico, para
contaminação de um rio, o que atinge as populações mais pobres que residem
nessas margens, colocando em risco o direito a vida dos grupos mais vulneráveis,
por dar um exemplo).
O objetivo do
presente trabalho é analisar o problema da corrupção e sua relação, direta ou
indireta, com a violação aos Direitos Humanos atingidos em decorrência da
prática de atos corruptivos, identificando quais ações ou omissões estatais são
passíveis de ensejar a responsabilidade do Estado pela ausência de garantia,
proteção e cumprimento das obrigações de Direitos Humanos a comunidades e
pessoas, apontando os reflexos dessas violações aos setores mais vulneráveis da
sociedade civil, as quais deveriam ser beneficiadas e protegidas pelo Poder
Público.
O método
adotado na consecução será de natureza bibliográfica, quanto ao método de
abordagem a ser adotado no seu desenvolvimento será o hipotético dedutivo,
tendo pressuposto argumentos gerais (premissa maior) para argumentos
particulares (premissa menor); enquanto o procedimento será analítico.
As múltiplas
faces da corrupção
Ao
analisar um escândalo público, o fato se tornaria num escândalo. A presença da
imprensa e a publicidade dos fatos não esclarecem, por si só, a transformação
de uma notícia em um escândalo. Por essa razão, semelhantes ações devem ser
desenvolvidas em segredo e, uma vez tornadas públicas, suscitam aquela
perturbação da opinião pública que se chama, precisamente, “escândalo”. Um
empregado público, seja qual crime de corrupção praticado, tais como concussão
(abuso da função), peculato (apropriação do dinheiro público), malversação
(apropriação em razão do ofício), jamais faria uma declaração pública no
momento que seria empossado no cargo (Bobbio, 1986: 91-92).
Conforme os
ensinamentos de Schilling, “o ponto de partida é sempre uma denúncia de uma
prática de corrupção. A denúncia e o comentário, o fato e sua repercussão
constituirão o cenário onde disputarão as forças em contenda” (Schilling, 1998:
25). Na visão da autora, as denúncias que envolvem corrupção apresentam
dificuldades na identificação dos responsáveis, impossibilitando uma reparação viável
do dano e na punição dos culpados; eis então que os autores das denúncias
conseguem convencer a opinião pública sobre a verdade da denúncia. Porém a
ausência de punição dos responsáveis há descrença nas instituições
democráticas, anulando a construção da cidadania e da democracia.
O tema da
corrupção vem passando por debates acadêmicos em todas as esferas de atuação
(Filosofia, a História, Ciência Política, a Economia, a Sociologia e o
Direito), merecendo uma abordagem investigativa. No campo da história, a corrupção
administrativa no Brasil configura uma herança da colonização portuguesa.
Raymundo Faoro, ao descrever a organização administrativa do Brasil-Colônia,
destaca que os vícios que a colônia revela nos funcionários portugueses ocultos
na contradição entre os regimentos, leis, provisões e a conduta jurídica, com
as lacunas do texto em favor do apetite e da avareza (Faoro, 1975).
É, pois, a
História que sinaliza a instituição de Portugal como Estado no limiar do século
xii, após relativamente curto
período de ocupação visigótica, superada pela invasão e domínio mourisco bem
mais longo e consistente. Zancanaro, com o sólido arrimo de Alexandre
Herculano, assinala que é possível a verificação, do ponto de vista político,
que Portugal foi palco de uma experiência de absolutismo que durou muitos
séculos, de 710 a 1492. Por mais de sete séculos predominou um sistema ao
estilo daquele exercido pelos califas árabes, que Max Weber qualificou como
dominação patrimonial. Verifica-se que a península ibérica unificada sob o
espírito do cristianismo e sob a disciplina e a ordem visigótica, ostentou
inconfundíveis e vigorosas consequências da influência moura, justamente na
concepção do poder político de índole absolutista, centralizadora e privatista.
(Ronzani, 2007: 62)
Nesta
passagem, no que se refere à estrutura política, consolidou-se uma instância de
poder de caráter burocrático e profissional da administração portuguesa, não
tendo qualquer identidade de âmbito nacional e alheia aos objetivos da
população de origem, dando surgimento a um espaço institucional para a montagem
de uma burocracia patrimonial legitimada pelos donos do poder: os donatários,
senhores de escravo e proprietários de terras. Paradoxalmente, há uma
confluência de uma herança colonial burocrática e patrimonialista e, por outro
lado, uma estrutura socioeconômica, no interesse exclusivo dos donos do poder
(Wolkmer, 2000).
Por
conseguinte, segundo Campante “o instrumento de poder do estamento é o controle
patrimonialista do Estado, traduzido em um Estado centralizador e administrado
em prol da camada político-social que lhe infunde vida” (Campante, 2003: 154-155).
Infundido de uma racionalidade pré-moderna, o patrimonialismo é naturalmente
personalista, com tendência a desconsiderar a contenda entre as esferas
públicas e privadas, uma vez que o particularismo ligado ao poder pessoal e o
favoritismo reinam, funcionando como uma espécie de ascensão social, o qual,
junto com o sistema jurídico, englobariam o direito expresso e o direito
aplicado.
La corrupción, para nuestra lengua, es la “degeneración de las
costumbres”. Además, entendemos por “degenerar” el perder una persona o cosa
sus buenas cualidades, y por “costumbre”, una manera habitual de proceder. Este
recurso al Diccionario de la Real Academia nos permite entender que la
corrupción no es solamente, como comúnmente se piensa, la coima o la
malversación, sino esta pérdida habitual de las buenas cualidades, este
proceder habitual contrario a la virtud. Desde esta perspectiva, la corrupción
es un dato de la realidad, no solamente propio de los tiempos actuales ni de
nuestro país. Ha existido siempre y en todos lados, porque el obrar vicioso es
consecuencia de la naturaleza caída del hombre, de esta tendencia que todos
tenemos hacia el mal, ínsita en nuestra propia condición humana. Esto sería un
dato sumamente desalentador si no fuera acompanhado de lo que para los
creyentes es una certeza: nuestra naturaleza caída ha sido redimida por el
Salvador y, gracias a esa acción suya, podemos elevarnos por sobre nuestras
propias miserias y alcanzar la virtud, hábito de obrar el bien. (Sánchez, 2017:
58)
Por
outro lado, nas sociedades fragmentadas e heterogêneas, em que existem
discriminações em relação a determinados grupos, é provável que os grupos
discriminados tendam a agir de forma solapada, para não tornar mais aguda a
discriminação de que se fizeram objeto, mediante uma clara atividade de
pressão, tornando acentuada com a existência de um sistema representativo falho
e com o acesso discriminatório ao poder de decisão, assentado no grau de
segurança de que goza a elite política. Quanto mais esta se sentir segura de
conservar ou reconquistar o poder por meios legais ou recear ser punida usando
meios ilegais, tanto menor será a corrupção. Quanto mais ameaçada se sentir,
tanto mais a elite recorrerá a meios ilegais e à corrupção para preservação no
poder (Bobbio, 1998: 292).
Por fim, é
importante frisar que as matrizes teóricas apresentadas, por si só, não o
condão de exaurir a temática abordada; porém tem por objetivo auxiliar na sua
compreensão fenomênica, apontando diretrizes para uma compreensão
multidisciplinar e polissêmica acerca da corrupção, à medida que busca resgatar
os valores na esfera pública e privada, da sociedade civil, das instituições
democráticas, o papel da mídia, do interesse público, a forma como se apresenta
o escândalo político, verificando assim as diversas faces da corrupção, mas sem
desconsiderar o seu aspecto de ilegitimidade e ilicitude.
Os Direitos
Humanos
Para
uma melhor compreensão a respeito da evolução e valorização dos Direitos
Humanos, é apresentada uma breve análise histórica. Nesse contexto, ao abordar
a evolução dos Direitos Humanos, tem-se como ponto de partida a Antiguidade,
passando pela Idade Media e Idade Moderna até chegar à Idade Contemporânea. O Egito
teria sido a primeira civilização na história da humanidade que desenvolveu um
sistema jurídico individualista, mesmo não tendo produzido compilações de leis,
contendo elementos da teoria jurídica tendentes a assegurar o direito das
pessoas e bens, dando inicio a primeira codificação, em regra, a consagrar um
rol dos direitos comuns a todos os homens (Guerra, 2000: 86). A fase
proto-histórica dos Direitos Humanos, iniciada na Baixa Idade Média, na
passagem do século xii ao século xiii, representa uma novidade histórica
em relação ao início do movimento para a instituição de limites ao poder dos
governantes. Foi o primeiro passo em direção ao acolhimento generalizado da
ideia de que havia direitos comuns a todos os indivíduos, qualquer que fosse o
estamento social. A Magna Carta é considerada como marco entre o sistema de
árbitro real e a nova era das garantias individuais; eis que constitui uma
convenção passada entre o monarca e os barões feudais. Os contratos de senhorio
eram convenções pelas quais se atribuíam poderes a certos vassalos (Guerra, 2000:
90).
A ideia de
direitos individuais não tinha o mesmo sentido atual de igualdade. O objetivo
da redação da Carta Magna era fazer as pessoas lerem o texto como fixador de
princípios gerais, de obediência à legalidade, da existência de direitos da
comunidade que o próprio rei deveria respeitar. Entre outras garantias
encontramos a previsão do devido processo legal; livre acesso à justiça; a
liberdade de locomoção; restrições tributárias e proporcionalidade entre delito
e sanção. Após esse período, o velho continente passa por uma verdadeira “crise
de consciência” ressurgindo, assim, um grande sentimento de liberdade.
Nesse
momento, surge a Reforma, cujo princípio fundamental foi a liberdade de
consciência, de Rousseau, do enciclopedismo e da Revolução Francesa. Em razão
do processo de maturação da sociedade e do desenvolvimento social e histórico,
outras declarações aparecem, como a Petição de Direitos de 1629, a Lei de
Habeas Corpus de 1679 e o Bill of Rights de 1689. O Bill of Rights, foi
promulgado um século antes da Revolução Francesa e desde o seu surgimento na
Europa renascentista, pôs fim ao regime de monarquia absoluta. Surge uma nova
forma de organização do Estado, cuja função precípua é a de proteção dos
direitos da pessoa humana. Em 1776, é inaugurada uma nova etapa para a proteção
do indivíduo, através da Declaração de Independência Norte-Americana. Trata-se
do primeiro documento a afirmar princípios democráticos na história política
moderna. O texto é importante porque apresenta o povo como sendo o grande
responsável e detentor do poder político supremo. (Guerra, 2000: 92)
A
soberania popular é reconhecida como a existência de direitos que se aplicam a
todas as pessoas sem que haja distinção de sexo, cor ou qualquer outra
manifestação social. A Declaração de Direitos de Virgínia (1776) proclamou o
direito à vida, à liberdade e à propriedade, o princípio da legalidade, o
due process of law, a liberdade de imprensa e religiosa. Após, a Declaração
dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), denota relevância por representar um
processo de ruptura com o Ancien Regime
(monarquia absoluta e os privilégios feudais), sendo considerado como primeiro
elemento constitucional do novo regime político, inspirado nos ideários de
Liberdade, Igualdade e Fraternidade servidos para desencadear um novo
sentimento entre as pessoas. Sob esse prisma,
A
declaração dos direitos colocou diversos problemas, que são a um tempo
políticos e conceituais. Antes de tudo, a relação entre a declaração e a
Constituição, entre a enunciação de grandes princípios de direito natural,
evidentes à razão, e a concreta organização do poder por meio do direito
positivo, que impõe aos órgãos do Estado ordens e proibições precisas: na
verdade, ou estes direitos ficam como meros princípios abstratos (mas os
direitos podem ser tutelados só no âmbito do ordenamento estatal para se
tornarem direitos juridicamente exigíveis), ou são princípios ideológicos que
servem para subverter o ordenamento constitucional. Sobre este tema chocaram
nos fins do século xviii, de um
lado, o racionalismo jusnaturalista e, de outro, o utilitarismo e o
historicismo, ambos hostis à temática dos direitos do homem. Era possível o
conflito entre os abstratos direitos e os concretos direitos do cidadão e,
portanto, um contraste sobre o valor das duas cartas. Assim, embora
inicialmente, tanto na América quanto na França, a declaração estivesse contida
em documento separado, a Constituição Federal dos Estados Unidos alterou esta
tendência, na medida em que hoje os direitos dos cidadãos estão enumerados no
texto constitucional. (Bobbio, 1998: 354)
As
declarações de direitos norte-americanos e franceses representam a emancipação
histórica do indivíduo perante os grupos sociais, aos quais eram, via de regra,
submetidos: a família, o estamento, o clã, as organizações religiosas. Através
de ambas as declarações formais de direito, consagram a experiência inglesa da
Magna Carta, que data do ano 1215. A partir daí, evidencia-se à sua
incorporação nos textos constitucionais, erigindo ditames, bem como princípios
informadores e de validade de toda ordem jurídica nacional, na medida em que
esta mesma ordem jurídica está preparada para torná-las efetivas.
Assim sendo,
algumas ações significativas são identificadas especialmente no fim da Segunda
Guerra Mundial, acerca do processo de internacionalização dos Direitos Humanos.
O sistema internacional de proteção dos Direitos Humanos ganha força com a
proclamação da Carta da onu
(1945), tendo a onu descrito
acerca do significado de Direitos Humanos na Declaração Universal de Direitos
Humanos de 1948 (Guerra, 2000: 95). Verifica-se que este caminho foi longo das
instituições jurídicas em defesa da dignidade humana, tendo os Direitos Humanos
sido objeto de proteção legal na busca para efetivação. Na verdade, devem ser
colocados à disposição dos indivíduos ferramentas para que os Direitos Humanos
sejam protegidos na seara internacional e pelos Estados nacionais.
Nasce ainda
a certeza de que a proteção dos Direitos Humanos não deve se reduzir ao âmbito
reservado de um Estado, porque revela tema de legítimo interesse internacional.
Sob esse prisma, a violação dos Direitos Humanos não pode ser concebida como
questão doméstica do Estado, e sim como problema de relevância internacional,
como legítima preocupação da comunidade internacional. A necessidade de uma
ação internacional mais eficaz para a proteção dos Direitos Humanos impulsionou
o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da
sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a
responsabilização do Estado no domínio internacional quando as instituições
nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteger os Direitos
Humanos. O processo de internacionalização dos Direitos Humanos — que, por sua
vez, pressupõe a delimitação da soberania estatal — passa, assim, a ser uma
importante resposta na busca da reconstrução de um novo paradigma, diante do
repúdio internacional às atrocidades cometidas no holocausto. (Piovesan, 2013:
192)
Os
desdobramentos do totalitarismo moldaram todas as esferas da vida, interferindo
em todas as atividades mundanas, desafiando qualquer critério racional, da
autoridade herdada desde o período grego, desvalorizando qualquer ser humano
não pertencente à raça, estabelecendo a ausência de regras, leis e a privação
de direitos baseados na obediência cega, na exclusão, utilizando o terror e o
medo numa lógica baseada no “tudo é possível”, tornado os seres humanos
supérfluos e indesejáveis erga omnes.
Conforme ensina
Hannah Arendt, com o surgimento das minorias na Europa oriental e meridional e
com a incursão dos povos sem Estado na Europa central e ocidental,
um elemento de desintegração novo foi introduzido na Europa do após-guerra: a
desnacionalização. Esse fenômeno acabou sendo uma poderosa arma da política
totalitária, em conjunto com a incapacidade dos Estados-nações europeus, no
plano constitucional, de proteção aos Direitos Humanos dos que haviam perdido
os seus direitos nacionais que permitiram aos governos opressores impor a sua
escala de valores, inclusive sobre os países oponentes. Segundo Arendt aqueles
a quem haviam escolhido como refugo da terra judeus, trotskistas, etc., eram
realmente recebidos como o refugo da terra em toda parte; aqueles a quem a
perseguição havia chamado de “indesejáveis” (Arendt, 2012 238).
Para a filósofa,
se um ser humano perde o seu status político deve, de acordo com as implicações
dos direitos inatos e inalienáveis do homem, enquadrar-se exatamente na
situação que a declaração desses direitos gerais previa. Na realidade, o que
acontece é o oposto. Parece que o homem que nada mais é que um homem perde
todas as qualidades que possibilitam aos outros tratá-lo como semelhante
(Arendt, 2012: 261).
Nos sistemas do
nazismo e do stalinismo funcionou a lógica do “tudo é possível”, uma forma até
então nova de organização do tecido social, em contraponto aos valores
consagrados do direito da justiça e avocados pela modernidade inauguradora,
como o individualismo, da perspectiva ex
parte Populi, ao contrário da tradição ocidental que havia estabelecido a
pessoa humana enquanto valor fonte da experiência ética jurídica. O modelo de
organização da sociedade totalitária tem como fim em si a dominação total dos
indivíduos, o que torna inviável qualquer discussão crítica acerca dos vários
critérios de justiça.[1]
Impulsionou-se
então o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação
da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a
responsabilização do Estado nesse domínio quando as instituições nacionais se
mostram falhas ou com omissões na sua tarefa protetiva. Antes do surgimento do
Direito Internacional dos Direitos Humanos (didh)
em 1948, a nacionalidade era uma condição prévia para o exercício da
cidadania. Dessa forma, o apátrida, que não possui nenhuma nacionalidade, era
considerado como um não cidadão perante o país de origem e, também, na liga das
nações. O não reconhecimento do “direito a ter direitos” e a ausência de
personalidade jurídica, possibilitariam as atrocidades perpetradas, por
intermédios dos genocídios em massa no âmbito do sistema totalitário. No
próximo, será abordada a relação entre a corrupção e os Direitos Humanos.
A relação
entre corrupção e Direitos Humanos
A questão acerca das práticas corruptivas em negócios internacionais,
isto é, em relações comerciais, já vem sendo objeto de discussão desde a
resolução 3514 do 15 de dezembro de 1975 da Assembleia Geral da ONU, condenando
toda espécie de prática corruptiva, incluindo a corrupção nas transações
internacionais. No 5º Congresso para a Prevenção do Crime e o Tratamento de
Criminosos, ressaltando a importância do crime organizado, dentre os delitos, a
inclusão dos crimes do colarinho branco, notadamente o delito de corrupção. De
modo que na esfera internacional evidencia-se grande atenção ao tema da
corrupção e a necessidade de ações concretas para um combate efetivo (Ramina,
2009, 201).
Nos anos noventa, a corrupção passa a ser objeto de atenção das
organizações nacionais e internacionais, ingressando na agenda das Nações
Unidas, da Organização dos Estados Americanos, da Organização para a Cooperação
Econômica e para o Desenvolvimento (1997), da Comunidade Europeia e do Conselho
Europeu. A Assembleia Geral apontou os elos entre corrupção e outros delitos,
em particular o crime organizado, e ressaltou a importância da cooperação
internacional no sentido de prevenir e controlar a corrupção, por se tratar de
um fenômeno que atravessa fronteiras nacionais (Symonides, 2003: 45).
Aunque ningún tratado internacional lo defina, es posible inferir de sus
cuerpos normativos que los Derechos Humanos son los derechos subjetivos
necesarios para que los seres humanos puedan vivir dignamente en una sociedad
organizada, que el Estado debe respetar y garantizar si no quiere comprometer
su responsabilidad internacional. Así, desde esta perspectiva, los Derechos Humanos
establecen una relación entre las personas naturales y los Estados, en la que
los primeros son portadores de derechos y los segundos poseedores de
obligaciones, con el objeto de asegurar las condiciones indispensables para
alcanzar una vida digna. Por último, quisiéramos destacar cuatro características
que distinguen a los Derechos Humanos de otros derechos: su universalidad,
inalienabilidad, interdependencia e indivisibilidad. Que sean universales
quiere decir que pertenecen a todos los seres humanos por igual sin distinción
de raza, sexo, etnia, nacionalidad. La inalienabilidad implica que estos
derechos no se pierden bajo ninguna circunstancia, ni siquiera por la renuncia
de su titular (lo que se puede renunciar es su ejercicio). La interdependencia
dice relación con los nexos que existen entre derechos: en la medida que haya
un mayor goce o afectación de un derecho esto tiene repercusiones en el
disfrute de otros derechos. Y finalmente, la indivisibilidad se refiere a que
los Derechos Humanos forman una unidad enraizada en la idea de dignidad. (Nash et
al., 2014: 22)
Assim,
Declaração de 1948 inovou a gramática dos Direitos Humanos ao introduzir a
chamada concepção contemporânea de Direitos Humanos, marcada pela universalidade
e indivisibilidade. Universalidade porque clama pela extensão universal, tendo
como premissa básica condição de pessoa do ponto de vista moral (requisito
único para a titularidade de direitos, dotado de unicidade existencial e
dignidade). A indivisibilidade porque a garantia dos direitos civis e políticos
seria o pressuposto para a observância dos direitos sociais, econômicos e
culturais. Os Direitos Humanos compõem, assim, uma unidade indivisível,
interdependente e inter-relacionada, capaz de conjugar o catálogo de direitos
civis e políticos ao catálogo de direitos sociais, econômicos e culturais.
A
indivisibilidade consiste no reconhecimento de que todos os Direitos Humanos
possuem a mesma proteção jurídica, uma vez que são essenciais para uma vida digna.
A indivisibilidade possui duas faces: a primeira, no reconhecimento que o
direito protegido apresenta uma unidade incindível em si; a segunda face, mais
pública, assegura que não é possível proteger apenas alguns dos Direitos
Humanos reconhecidos. O objetivo do reconhecimento da indivisibilidade é exigir
que o Estado, tal qual na promoção dos direitos de primeira geração, nos
direitos sociais, deverá zelar pelo mínimo existencial, ou seja, condições
materiais mínimas de sobrevivência digna do indivíduo (Ramos, 2014). Assim,
El derecho, visto desde su aparente neutralidad, pretende garantizar a
“todos”, no a unos frente a otros, un marco de convivencia común. La cultura,
vista desde su aparente cierre local, pretende garantizar la supervivencia de
unos símbolos, de una forma de conocimiento y de valoración que orienten la
acción del grupo hacia fines preferidos por sus miembros. El problema surge
cuando cada una de estas visiones se defiende por su lado y tiende a considerar
inferior o a desdeñar lo que la otra propone. El derecho por encima de lo cultural
o viceversa. La identidad como algo previo a la diferencia o viceversa. Ni el
derecho, garante de la identidad común, es neutral; ni la cultura, garante de
la diferencia, es algo cerrado. Lo relevante es construir una cultura de los
derechos que recoja en su seno la universalidad de las garantías y el respeto
por lo diferente. (Flores, 2008: 144)
Isto implica numa maior amplitude a cerca dos Direitos Humanos em seu
alcance máximo. Sua positivação é importante, mas, todavia, deve haver um
alargamento das garantias e incremento dos níveis de humanização, lastreado
numa ótica emancipatória, por meio das práticas sociais, simbólicas e culturais
contra qualquer tipo de poder que impede aos seres humanos constituir-se
enquanto sujeitos:
Con
relación a los derechos humanos y al modo de conocerlos, es prioritario tener
siempre en cuenta los contextos, las tramas sociales y los procesos que les dan
aliento o les hacen expirar normativa e institucionalmente, así como también
los actores, los sujetos implicados y sus condiciones de posibilidad de vida,
tanto para teorizar como para generar mayores dosis de universalidad, de
humanidad y dignidad para todos. (Rubio, 2007: 38)
Conforme
Rogério Gesta Leal, uma primeira dificuldade interpretativa seria: quais
significados poderiam ser atribuídos à expressão violação de Direitos
Fundamentais e humanos vinculado ao fenômeno da corrupção?
Só há violação quando se rompe a ordem legal escrita, aqui compreendida
em toda a sua extensão principiológica e regratória? Parece que sim, a uma,
porque se estendeu em muito os significados e sentidos das normas jurídicas com
o fenômeno — por vezes exagerado e distorcido — da abertura sígnica dos
conteúdos normativos, a ponto de ampliar as possibilidades configurativas de
Direitos; a duas, é preciso parâmetros também objetivos de expansão dos
sentidos das normas, sob pena de se instituir, com incontrolável subjetividade,
lócus autoritários de poder decisional sobre o que significam. Para os fins de
determinar se práticas individuais corruptivas violam Direitos Humanos é
indispensável, por primeiro, identificar quais ações ou omissões são exigidas
do Estado para proteger, respeitar e efetivar estes Direitos, razão pela qual o
claro entendimento dos objetos e conteúdos destes Direitos é necessário a
delimitação das responsabilidades estatais. Em segundo lugar, a prática
corruptiva precisa ser analisada no contexto dos objetivos e conteúdos dos Direitos
Humanos ou Fundamentais envolvidos, verificando se ela afeta tais conteúdos de
forma direta ou indireta, e se o Estado falha em dar conta de sua obrigação de
protegê-los, respeitá-los e efetivá-los. (Leal, 2013: 98).
De tal
modo que, para determinar se uma prática corrupta viola um direito humano é
necessário verificar quais são as obrigações que se derivam desse direito, com
a finalidade de determinar o conteúdo e alcance do direito, bem como as
obrigações gerais de respeito e garantia. Após, será possível averiguar o que
está obrigado ao Estado do Direito Humano violado; após, será feita a análise
do vínculo entre a conduta corrupta e a vulnerabilidade de um direito humano, o
não cumprimento de uma obrigação, sendo imprescindível um estudo específico do
caso. De uma perspectiva geral, distinguem-se os tipos de vínculos causais: (1)
práticas corruptas que violam diretamente um Direito Humano, e (2) práticas
corruptas que conduzem a violações de Direitos Humanos, porque em si mesmas,
não violariam um direito.
Um ato de corrupção viola diretamente o direito quando isso significa
que imediatamente houve falha de uma obrigação do Estado a que se refere a esse
direito. Assim, por exemplo, quando um juiz (a) aceitar um suborno, ele
diretamente afeta a sua imparcialidade, o que viola o direito a um julgamento
justo. Por outro lado, um ato corrupto também pode violar diretamente quando
oficiais (a) ou instituição do Estado atua de uma maneira que impede que uma ou
mais pessoas tenha acesso a esse direito. Por exemplo, quando alguém precisa
subornar um (a) funcionário (a) para obter um subsídio de habitação ou um
médico para aceder ao tratamento em um hospital público. No caso das prisões,
por exemplo,
La malversación de los fondos para financiar los servicios a las
prisiones también provoca serias violaciones de derechos. Esta práctica tiene
el mismo efecto que en la educación: reduce la calidad de las instalaciones y
la calidad de los servicios que provee. Todas las personas que son privadas de
su li-bertad y enviadas a prisiones, hospitales, campos de detención,
instituciones correccionales y otras, tienen el derecho a ser tratados con
humanidad y dignidad (Artículo 10, pidcp).
Esto implica, por ejemplo, que en las cárceles, cada prisionero debiera tener
un espacio físico personal mínimo y el acceso a un contenido mínimo de aire
cúbico, a instalaciones sanitarias adecuadas, a ropa que no sea degradante o
humillante, a una cama personal y a una alimentación con el adecuado valor
nutricional (Reglas Mínimas para el Trato de Prisioneros, Naciones Unidas).
(Zavala, 2009: 68)
Nessa
acepção, para o relatório, há diversos níveis de ocorrência quanto a
apropriação indevida de fundos alocados para prisões, desde o nível ministerial
até os presos em custódia. Esse arranjo corruptivo afetará o tratamento dos
presos, quiçá até a extensão do tratamento desumano, em contrariedade, por
exemplo, aos tratados de Direitos Humanos no Artigo 10, iccpr. Isso pode acontecer se a falta de fundos resultarem em
escassez de alimentos na prisão, ou ainda, a incapacidade de fornecimento de
materiais básicos, tais como cobertores ou camas. Nesse caso, a corrupção
poderá estar associada à violação do direito de uma pessoa privada de liberdade
de ser tratada de maneira humana e digna.
O relatório
ainda busca frisar que quando o dinheiro se perde, o Estado acaba não cumprindo
com umas das suas principais obrigações frente aos Direitos Humanos. Isto é,
utilizar e maximizar o uso de recursos públicos disponíveis para alcançar a
plena realização dos direitos sociais, econômicos, sociais culturais, nos
termos do Artigo 2 (1), do picp
(1966),[2] onde, na
maioria dos casos, o peculato acaba tornando impossível para o Estado; além do
não cumprimento dessas obrigações, acarretará em violações destes direitos. O
efeito cumulativo negativo da corrupção é latente, especialmente em programas
sociais de larga escala, considerando a má administração dos recursos por
funcionários ligados a esses programas, ou ainda, se a corrupção é
endêmica-generalizada, os níveis de peculato podem ser altíssimos.
Há violação de Direitos Humanos quando uma ação ou ato omissivo do poder
estatal implica em descumprimento quanto às obrigações de respeito, proteção e
efetivação dos direitos, sob sua jurisdição. Alguns obstáculos são encontrados
para auferir critério de imputação a partir de quais práticas individuais podem
implicar em atos de corrupção violadores dos Direitos Humanos; nesse caso, é
importante o apontamento de quais ações e omissões exigidas do Estado (proteção,
respeito e efetivação), para demarcação quanto a responsabilização. Um segundo
item, estaria ligado à necessidade de verificação, onde é preciso verificar o
contexto dos objetivos e dos conteúdos dos Direitos Humanos Fundamentais,
afetados de maneira direta ou indireta (Leal, 2013: 97).
Para o
relatório ichrp, 2009 na mesma
linha de Leal, há três níveis de obrigações por parte dos Estados em se
tratando de matéria de Direitos Humanos, as quais são aceitáveis: a obrigação
de respeitar, de proteger e, por fim, de garantir ou cumprir. A obrigação de
respeitar consiste na exigência que o Estado se abstenha (não agir) de tomar
qualquer medida que possa causar alguma privação aos indivíduos no gozo de seus
direitos ou, ainda, na capacidade de satisfação desses direitos por meios
próprios. Por regra geral, essa obrigação estaria associada aos direitos civis
e políticos (por exemplo, a obrigação de não tortura), mas também se aplica aos
direitos econômicos, sociais e culturais. Em relação ao direito a habitação
adequada, os Estados têm o dever de se abster de despejos forçados ou
arbitrários.
A obrigação de
proteção exige que o Estado evite violações de Direitos Humanos por parte de
terceiros, sendo considerada como uma função central dos Estados, o que deve
evitar danos irreparáveis infligidos aos membros da sociedade. Isso exige que
os Estados: a) evitem violações de direitos por indivíduos ou outros atores não
estatais; b) evite e elimine incentivos que levem à violação de direitos por
parte de terceiros e c) forneça acesso a recursos legais, quando as violações
tenham ocorrido, evitando assim grandes perdas.
O
descumprimento desta obrigação pode ser um elemento central para determinar a
responsabilidade do Estado, em se tratando de casos de corrupção, eis que uma
omissão implica numa violação das obrigações quanto ao direito de proteção. Se
os Estados, ou seja, algum país da liga das nações, por exemplo, não
criminalizam práticas específicas corruptas ou não aplicam determinados
padrões, eles não poderão reprimir ou punir formas de corrupção que causem ou
levem à violação de Direitos Humanos.
Quanto à
obrigação de garantia ou cumprimento, exige que o Estado tome medidas para
garantir que as pessoas sob a sua jurisdição possam satisfazer as suas
necessidades básicas (reconhecidas nos instrumentos jurídicos de Direitos
Humanos) quando não podem fazê-lo por seus meios. O dever de cumpri-los ou
garantir também ocorre em relação aos direitos civis e políticos, embora haja o
gozo e exercício dos Direitos Humanos algum custo para o Estado. Como exemplo,
o relatório elenca a proibição da tortura, o que significa que o Estado
investigue e processe os responsáveis, adotando leis para punir atos de
tortura. Além, deverá tomar medidas preventivas, como treinamento policial
adequado, garantir e assegurar o direito a um julgamento justo, o que requer
investimentos consideráveis em tribunais e juízes, junto com assistência
jurídica.
No relatório
apresentado pelo Consejo Internacional
de Políticas de Derechos Humanos na Suíça, os Estados assumiram obrigações quando ratificaram os tratados
internacionais sobre Direitos Humanos. As obrigações em matéria de Direitos
Humanos são aplicáveis a todos os ramos do governo (executivo, legislativo e
judiciário) e em todos os níveis (nacional, regional e local). De acordo com a
jurisprudência dos órgãos de Direitos Humanos, um ato (ou omissão) é atribuível
ao Estado quando cometido, instigado, incitado, encorajado ou aceito por qualquer
autoridade pública ou outra pessoa agindo nessa qualidade (ichrp, 2009: 29).
Um Estado tem a
responsabilidade pela violação dos Direitos Humanos quando demonstra que suas
ações ou omissões estão em desconformidade com obrigações nacionais ou internacionais
de Direitos Humanos. Para determinar se uma prática corrupta específica viola
ou não um direito humano, é necessário estabelecer, num primeiro momento, o
objetivo e o conteúdo da obrigação de direito humano em questão, bem como se
deriva de uma lei se ela deriva de uma lei nacional, tratado internacional,
princípios gerais ou costumeiros de direito.
Ainda, é
importante frisar que a obrigação de proteção pode nos ajudar a demonstrar como
o comportamento corrupto de um ator privado, o que acarreta na responsabilidade
do Estado. Embora possa ser difícil o estabelecimento do nexo causal em um caso
particular, um Estado pode ser responsabilizado por violar um direito humano
específico, por exemplo, se não adotar legislação adequada para prevenção ou
punição de ato de corrupção cometida por empresas privadas. Em resumo da
violação dos Direitos Humanos é importante identificar o ato corrupto:
· Determine
o ato corrupto envolvido (suborno, desfalque, etc.).
· Identificar o perpetrador (ou perpetradores).
· Um funcionário público. Por exemplo, um funcionário do governo ou outra pessoa que atua no exercício de funções públicas ou por sua instigação ou com seu consentimento à aquiescência (por exemplo, se uma pessoa privada cometeu uma violação, mas os funcionários públicos estão significativamente envolvidos na
ordenação, propiciar ou permitir a violação, ou se os funcionários cometem a
violação e os indivíduos estão envolvidos na sua propiciação).
· Estudar
o escopo e o conteúdo do Direito Humano em questão.
·
Estabelecer
quais atos ou omissões foram exigidos pela lei que o Estado fez ou absteve de
fazer.
· Identificar
a vítima (ou vítimas).
· Identificar
quem foi o proprietário dos (ou) Direitos Humanos em questão.
· Identificar
o dano.
· Estabelecer
se o dano sofrido pela vítima deve-se ao incumprimento por parte do Estado das
suas obrigações de respeito, proteção ou garantia dos Direitos Humanos em
questão.
· Avaliar
a ligação causal entre o ato ou prática corrupta e os danos causados.
· Estabelecer
quão direta é a conexão, por um lado, entre o ato corrupto e os danos sofridos
pela vítima e, poroutro, entre o conteúdo das obrigações impostas pelo direito
humano em questão e a ação ou omissão do Estado:
- Direto:
o ato corrupto mina o conteúdo do direito humano;
- Indireto:
o ato corrupto é um fator essencial na cadeia de eventos que levou à
transgressão dos Direitos Humanos;
- Remoto:
o ato corrupto, por si só, não viola os Direitos Humanos.
· Avaliar
a responsabilidade do Estado pelos danos causados:
- Determinar
se o Estado conduziu uma investigação efetiva e sancionou aqueles que foram
considerados responsáveis;
- Determinar
quais formas de reparação podem ser apropriadas para o caso dado (por exemplo,
restituição, compensação, satisfação, etc.).
O Pacto Internacional de Direitos Sociais, Econômicos e Culturais (picdp), a Declaração sobre a Concessão
de Independência aos Países e Povos Coloniais e a Convenção Internacional sobre
a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, assim como outras
convenções e declarações em matéria de Direitos Humanos, estabeleceram novas
normas e obrigações que todas as nações devem aceitar.
Em termos de
relação entre os Direitos Humanos e a corrupção, conforme relatório do Comitê
de Direitos Humanos da Comunidade Europeia (2013), a corrupção preserva e
acentua resultados desiguais, injustos e discriminatórios no que se refere ao
gozo equânime dos Direitos Humanos (civis, políticos e económicos ou sociais e
culturais), refletindo no meio ambiente, afetando desproporcionalmente os
grupos vulneráveis e suas implicações aos progressos em matéria de combate às
discriminações (igualdade de género e da autonomia das mulheres, ao limitar as
suas capacidades para postular os seus direitos, por exemplo), ocasionando
prejuízo ao reconhecimento, gozo e exercício dos Direitos Humanos por todas as
pessoas.
Considerações
finais
Observa-se
assim que o escândalo público, com forte repercussão, não consegue estabelecer
um diagnóstico preciso e pragmático para uma compreensão fenomênica da
corrupção. A teoria do patrimonialismo detém sua relevância, eis que evidencia
uma indistinção da esfera público e privada na pessoa do governante e na ordem
estamental para concessão de cargos e privilégios aos subordinados; de outro
modo, não seria possível repensar a corrupção, sem adentrar na questão do papel
da sociedade civil enquanto sujeito histórico participe na relação
governante/governados, como sustenta a perspectiva da antropologia política,
bem como na ciência política a partir da ideia do interesse público.
Verifica-se,
longo caminho percorrido, acerca da criação das instituições jurídicas de
defesa da dignidade da pessoa humana e significado de Direitos Humanos na didh e o seu processo de
internacionalização que, por sua vez, pressupõe a delimitação da soberania do
Estado, sendo um importante instrumento para reconstrução paradigmática, em
razão da ordem jurídica internacional frente às atrocidades cometidas pelos
movimentos totalitários, reconhecendo todo e qualquer ser humano como cidadão,
independente do seu status jurídico, bastando para isso sua existência como ser
humano, como bem salientou Hannah Arendt, tendo o “direito a ter direitos”,
garantidos pela humanidade, kantiamente, associado à ideia do direito de
hospitalidade universal do estrangeiro.
É preciso
reconhecer as múltiplas faces e interfaces, bem como as redes de relações que
estão anexadas ao tema da corrupção. Pois quando os desvios dos recursos
orçamentais lícitos acabam tendo reflexos que afetam direta ou indiretamente a
todos os interesses públicos lesados: em relação ao meio ambiente (a poluição
de rios, nascentes, áreas de preservação permanente, atingindo além da questão
ambiental, o direito a vida e a saúde das populações hipossuficientes que
residem nestas localidades); também na segurança pública e notadamente no
sistema carcerário e prisional brasileiro, como as últimas rebeliões ocorridas
no Estado do Amazonas e o desvio da merenda escolar no Estado de São Paulo.
Pode-se
concluir, portanto, que os tratados e convenções internacionais e seus
instrumentos relativos aos Direitos Humanos geram obrigações jurídicas para os
países signatários. A corrupção encontra-se diretamente conexa à violação dos
Direitos Humanos e Fundamentais provocando efeitos danosos aos direitos e
garantias vigentes. Para o enfrentamento a essa patologia, urge a necessidade
do movimento da comunidade internacional na implementação de novos mecanismos
transparentes dessas condutas, objetivando a punição dos infratores por suas
violações, tal como ocorreu nas negociações de acordo comercial com o mercosul, devido à crise política no
Brasil, em que por carta, o deputado espanhol Xavier Benito pede a suspensão de
negociações com o Brasil, em face das delações envolvendo a presidência da
República e a violação ao direito de manifestação, a violência contra índios,
camponeses, quilombolas e assentados.
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* * *
Versión original recibida: 15/10/17
Versión final recibida: 04/10/18
Aprobado:
03/01/19
* Universidade do Oeste de Santa Catarina, Pelotas RS, Brasil, ORCID 0000-0003-1458-7386, marciobnotari@gmail.com
[1] Nesse ponto, torna-se viável a ruptura paradigmática do totalitarismo; eis que se trata de uma proposta de organização societária que escapa ao bom senso de qualquer critério razoável de Justiça. A convicção explicita assumida pelo totalitarismo, de que os seres humanos são supérfluos e descartáveis, representa uma contestação frontal à ideia do valor da pessoa humana enquanto valor fonte de todos os valores políticas sociais e econômicos e, destarte o fundamento último da legitimidade da ordem jurídica, tal como formulada pela tradição, seja no âmbito do Direito Natural, seja na Filosofia do Direito. O valor da pessoa humana enquanto valor fonte da ordem de vida em sociedade encontra a sua expressão jurídica nos direitos fundamentais do homem (Lafer, 1988: 20).
[2] Artigo 2 (1) Os Estados Partes do
presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que
se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos
reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça,
cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem
nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição. (2) Na
ausência de medidas legislativas ou de outra natureza destinadas a tornar efetivos
os direitos reconhecidos no presente Pacto, os Estados Partes do presente Pacto
comprometem-se a tomar as providências necessárias com vistas a adotá-las,
levando em consideração seus respectivos procedimentos constitucionais e as
disposições do presente Pacto. (3) Os Estados Partes do presente Pacto
comprometem-se a: a) Garantir que toda pessoa, cujos direitos e liberdades
reconhecidos no presente Pacto tenham sido violados, possa de um recurso
efetivo, mesmo que a violência tenha sido perpetra por pessoas que agiam no
exercício de funções oficiais. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994
(consultado o 12/1/2019).